top of page

Fig. 1. Estatísticas de intoxicações em Portugal por produtos domésticos/industrais, do ano 2016. Retirada de: http://www.inem.pt/stats/stats.asp?stat=30&stats=32&ano=2016

Envenenamento com uma solução de hipoclorito de sódio

[1]

Descrição do caso: Uma menina de 1 ano de idade deu entrada no hospital em estado crítico. Mostrava sinais de queimadura na zona dos lábios e narinas. O esófago e glote não puderam ser observados devido à irritação severa e edema das membranas mucosas. Apesar de terem sido tomadas medidas de reanimação vigorosas, a criança morreu durante a examinação médica. Suspeitou-se de intoxicação por um agente corrosivo, os dados de anamnese sugeriam Klorin (solução de hipoclorito de sódio) como o agente nocivo.

​

Resultados: A autópsia acorreu 2 dias após a morte. A menina tinha uma altura e um peso normais e parecia bem nutrida. A face, boca, glote, epiglote, esófago e estômago estavam de um tom avermelhado-negro, inchados, suaves e tipo-borracha. O estômago continha coágulos de sangue e as membranas mucosas necróticas tinham cheiro de hipoclorito; o pH do conteúdo gástrico era de 10. A mucosa duodenal não apresentava alterações visíveis. Os outros órgãos pareciam severamente congestionados.

A análise microscópica do esófago e estômago mostrou necrose severa da mucosa e da camada interior da parede muscular. Em secções dos pulmões, podia observar-se aspiração do epitélio derivado do trato respiratório superior, massas necróticas embolizadas nos ramos menores das artérias pulmonares, bem como sinais de bronquite aguda. Nas secções de fígado, era visível embolização abundante de massas amorfas necróticas (provavelmente derivadas da mucosa estomacal). Notou-se uma ligeira degradação hidrópica dos hepatócitos.

​

Discussão: A criança engoliu uma grande quantidade de uma solução alcalina de hipoclorito de sódio consistente com Klorin, o que causou danos extensos na orofaringe, laringe, esófago e parede estomacal. Concluiu-se que a menina morreu devido a estas lesões severas com envolvimento sistémico secundário.

Queimadura química no olho de uma endodontista com hipoclorito de sódio

[2]

Descrição do caso: Uma jovem profissional de endodontologia de 24 anos sofreu uma queimadura química no olho enquanto tratava o canal radicular de um paciente. Enquanto usava um microscópio para ampliar o campo de trabalho, teve de irrigar o canal radicular, mas a cânula rompeu e a solução de hipoclorito de sódio a 3,5% contactou com o seu olho esquerdo. O tratamento foi interrompido. Procurou imediatamente cuidado oftalmológico de emergência com queixas de dor, vermelhidão da córnea, ardor, fotofobia, pressão intraocular e visão desfocada.

Fig. 2. Aspeto do olho um dia após a exposição à solução de hipoclorito de sódio [2].

Tratamento: O tratamento imediato consistiu na lavagem do olho com uma solução salina durante 30 minutos e na administração da seguinte medicação: Ibuprofeno 400mg de 8 em 8 horas; Loteprednol 5ml a 0.5%, uma gota de 8 em 8 horas; Prednisolona 10mg/ml, uma gota de 8 em 8 horas. As doses foram reduzidas para uma gota de 12 em 12 horas por uma semana, uma vez que os esteroides podem levar a imunossupressão. Foi prescrita uma gota de Hialuronato de Sódio 4mg/ml a cada hora e meia para lubrificar o olho durante um mês.

Discussão: Nove dias após o acidente, foi observada uma úlcera na córnea (fig. 2). A paciente recuperou a visão sem qualquer sequela, ao fim de quatro semanas e, ao fim de três meses, a córnea foi totalmente restituída.

Fig. 3. Aspeto do olho nove dias após a exposição à solução de hipoclorito de sódio. Note-se a úlcera na córnea [2].

Morte inesperada devida à toxicidade da cloramina num tumor cerebral

[3]

Descrição do caso: Uma mulher de 35 anos, morreu enquanto limpava a casa de banho. A casa tinha um odor pungente muito forte. As janelas e portas da habitação estavam fechadas. A vítima foi encontrada numa casa-de-banho pequena e confinada, anexada ao quarto principal. Estava a usar luvas de borracha e tinha um pano na mão. As mãos estavam dos lados do corpo. A parte superior do corpo estava situado entre a sanita e a parede onde existia um material tipo-muco, sugerindo que a sua cabeça tenha escorregado ao longo da parede até ao chão. A mulher estava ajoelhada com o rosto para baixo, apoiado na carpete (Fig.3).

Fig. 4. Posição em que a vítima foi encontrada [3].

Do outro lado da divisão, encontrava-se um recipiente contendo um líquido turvo pungente. No armário da despensa podiam encontrar-se garrafas de lixívia e amónia. Dois anos antes da morte, teve convulsões durante o sono. Uma tomografia computorizada revelou uma área de 4.2 cm de atrofia focal no lóbulo frontal esquerdo. Um eletroencefalograma foi interpretado como estando dentro dos limites normais, sem características epileptiformes. A vítima tomava difenidramina frequentemente, devido a rinite alérgica.

Resultados: Na autópsia foi descoberto um oligodendroglioma no lóbulo frontal esquerdo do cérebro (Fig.4).  A mucosa das vias aéreas superiores apresentava eritema moderado; também se verificou congestão e edema a nível pulmonar.

A análise ao recipiente encontrado na casa-de-banho mostrou que aquele continha cloro, sódio e enxofre; cloro e sódio são compostos da lixívia (NaOCl). Foi também comprovada a presença de amónia.

Discussão: Os investigadores acreditam que a morte tenha sido causa pela toxicidade da cloramina. Há vários cenários possíveis. (1) Ela pode ter asfixiado com os vapores de cloramina, isoladamente. (2) A cloramina mais o oligodendroglioma podem ter induzido uma convulsão fatal. (3) A incapacitação provocada pela cloramina pode ter levado a uma asfixia posicional.

Fig. 5. Secção coronal do cérebro demonstra o oligondendroglioma na parte superior do lóbulo frontal esquerdo [3].

Este é o primeiro caso descrito de uma morte por exposição a vapores de cloramina. É possível que o ologidendroglioma tenha diminuido o limiar de incapacitação pela cloramina. É provável que concentração de cloramina no ambiente à sua volta fosse elevada, tendo em conta que a vítima estava a trabalhar numa pequena casa de banho fechada.

Perfuração esofágica e mediastinite após ingestão suicida de lixívia a 4.5% de hipoclorito de sódio

[4]

Descrição do caso: Uma rapariga de 16 anos, durante uma tentativa de suicídio, ingeriu 100 ml de uma solução de 4.5% de hipoclorito de sódio. Numa clínica local, foi submetida a uma lavagem gástrica, depois da qual apresentou vómitos repetidos. A paciente foi transferida para um departamento de urgências 6 horas após a ingestão de lixívia. Apresentava dispneia e sonolência. Os exames clínicos mostraram que a jovem apresentava taquipneia e agitação, mas não tinha febre; a pressão arterial sistólica era de 50mmHg, a frequência respiratória era de 28 respirações por minuto, a frequência cardíaca estava a 166 batimentos por minuto e a saturação de O2 estava entre 65 e 75%. A vítima foi imediatamente entubada. Foi descoberta uma descoloração avermelhada, bem como inchaço e estreitamento das cordas vocais.

Dez dias após a ingestão de lixívia, a jovem foi sujeita a uma endoscopia gastrointestinal; foi verificada estenose esofágica severa e o endoscópio não pode avançar através do final do esófago e estômago.

Dezasseis dias após a ingestão de lixívia, a paciente apresentava dores no peito e febre após vários episódios de vómito. Uma tomografia computorizada ao peito revelou bolhas de ar e tecido mole de densidade anormal no esófago mediano (Fig.5) e um pequeno derrame pleural. O esofagograma revelou sinais de uma mediastinite.

A jovem recebeu tratamento não cirúrgico e, dois meses após a ingestão da solução hipoclorito de sódio, foi submetida a uma cirurgia que envolveu esofagostomia.

​​Discussão: A lavagem gástrica induziu o vómito, de caráter alcalino, levando ao inchaço das cordas vocais, dispneia e agravamento da estenose esofágica, provocados pela exposição prolongada da mucosa ao hipoclorito de sódio.

Fig. 6. Tomografia computorizada que demonstra bolhas de ar e tecido mole de densidade anormal no esófago mediano [4].

Referências bibliográficas:

[1] Sten W. Jakobsson, Jovan Rajs, John A. Jonsson, Hans Persson. (1991). Poisoning with sodium hypochlorite solution: Report of a fatal case, supplemented with an experimental and clinic-epidemiological study. Forensic Toxicology, 12(4), 320-327.;

[2] Desirée C. Regalado Farreras, Carlos García Puente, Carlos Estrela. (2014). Sodium hypochlorite chemical burn in an endodontist eye during canal treatment using operating microscope. Journal of endodontics, 40(8), 1275-1279.;

[3] Stephen D. Cohle, Wavelet Thompson, Bernard H. Eisenga, Sandra L. Cottingham. (2011). Unexpected death due to chloramine toxicity in a woman with a brain tumor. Forensic Science International, 124, 137-139.;

[4] Jung Soo Park, Jin Hong Min, Hoon Kim, Suk Woo Lee. (2011). Esophageal perforation and mediastinitis after suicidal ingestion of 4.5% sodium hydrochlorite bleach. Clinical Toxicology, 49, 765-766.

bottom of page